A Rebelião das Massas - Ortega y Gasset
- Canal Resumo de Livros
- 23 de dez. de 2023
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A Rebelião das Massas - Ortega y Gasset
Introdução
O autor incisivamente mostra que esse livro não é simplesmente um livro político, pois há elementos anteriores a ele, como a vida intelectual, econômica, e religiosa etc, e esse livro abarca todos esses costumes.
Viver é essencialmente aquilo que nos é possível, e somos fatalmente forçados a exercer essa liberdade. Por sinal, o melhor emprego da palavra vida está no contexto de biografia, até mesmo a concepção biológica é apenas um capítulo desta.
Existe um trecho desse livro que é uma das melhores estrofes do século XX: "Porque a vida é um verdadeiro caos onde ele está perdido. O homem suspeita disso, mas tem pavor de se encontrar cara a cara com essa realidade terrível, e procura ocultá-la com uma cortina fantasmagórica, onde tudo está muito claro. Não se importa que suas "ideias" não sejam verdadeiras, usa-as como trincheiras para se defender da sua vida, como rompantes para afugentar a realidade. O homem de cabeça clara é aquele que se liberta dessas "ideias" fantasmagóricas e olha a vida de frente, e assume que tudo é problemático nelas, e se sente perdido. Com isso é a pura verdade - a saber que viver é se sentir perdido - aquele que o aceita já começou a se encontrar, já começou a descobrir sua autentica realidade, já está em terra firma. Institivamente, como náufrago, buscará algo q que se agarrar, e essa busca trágica, peremptória, absolutamente veraz, porque se trata de salvar-se, o fará ordenar o caos de sua vida. Essas são as únicas ideias verdadeiras: as ideias dos náufragos. O resto é retórica, postura. Aquele que não se sente verdadeiramente perdido, perde-se inexoravelmente, quer dizer, jamais se encontra, nunca encara a propriedade realidade".
Ter muita certeza sobre tudo nos deixa perdido. É no meio termo duvidoso que nos agarramos, nos momentos tensos é que está a verdade. Quem não percebe isso está perdido. Ortega parte para a filosofia, pois só ela funciona sem a aprovação do público.
Umas das principais barbáries expostas por Ortega é a "barbárie do especialismo" onde aqueles que são especializados numa determinada área falam sobre todas as outras com o mesmo grau de segurança, como se tivessem a mesma competência.
Prólogo para Franceses
Ortega escreve sobre a importância da fala/escrita. Quando nos colocamos a falar, o fazemos porque acreditamos que aquilo nos fará dizermos o que pensamos, porém existe uma vala intransponível entre pensar e falar, nunca é possível comunicar exatamente. É na comunicação que surgem as leis, por tanto, acreditar que uma lei pode ser teorizada e não surgir na prática é confusão para o autor. É justamente na língua onde nasce o Império, pois como já foi comentado, uma vez que ela não serve para indicar o que não conseguimos falar, é justamente nesse vácuo que nos encontramos como unidade.
O autor se preocupa muito com a massificação das pessoas, e que isso pode ter consequências terríveis como o declínio populacional por meio de mortes devido a ignorância total, porém, os homens que sobrevivessem nesse pandemônio seriam "mais homens". O que realmente nos diferencia dos animais não é a inteligência, mas sim a memória, é nesse arcabouço de erros e competências que Nietzsche repara nossa superioridade como animal "de mais vasta memória".
Primeira Parte - A Rebelião das Massas
Capítulo 1 - O fato das aglomerações
Massa por definição, não podem nem devem reger a própria vida, e é isso que se passa na Europa no começo do século XX. Para entender a massa, é importante primeiro entender a minoria. Uma minoria se separa da multidão por razões especiais, individualizantes por isso, quando minorias se juntam é um evento completamente secundário. Ortega divide a humanidade em dois grupos de pessoas: os que se esforçam em evoluir e aqueles que a vida é um eterno ser, onde já consideram a própria perfeição aquilo que são. Massas não tem a ver com condição financeira ou social, vide os intelectuais que são massa mesmo na completa riqueza e aceitação pública.
Resumindo: Quem é diferente o é e se junta com outros por algo individual. Antes não existiam tantas massas. A massa não é uma classe social, pois pseudo-intelectuais também são. Massa é um "caminho simples" que as pessoas tomam. As massas antigamente não queriam ter ações das minorias, pois sabiam que precisariam de habilidades especiais. Hoje com a hiperdemocracia isso mudou. Eles se acham no direito de julgar aquilo que nunca estudou e acredita que quem não pensa como massa deva ser eliminado.
Capítulo 2 - A subida do nível histórico
Ortega percebeu que o estilo de "massa" tomou conta das pessoas quando escutou uma moça dizendo que não suportaria um baile onde não tivessem sido convidadas pelo menos 800 pessoas (N.A.: vejo muita semelhança esse comportamento com a necessidade de muitos seguidores e curtidas nas redes sociais). As pessoas se descobriram detentores de direito simplesmente por nascer, expandem esse direito para uma liberdade de fazer parte daquilo que não é seu lugar. Resumindo, a Europa se americanizou, ou seja, está virando massa.
Capítulo 3 - A altura dos tempos
Um desejo que nasceu no século XIX se concretiza no XX, que é o surgimento da "cultura moderna", o que já é estranho, pois se considerar moderno no contemporâneo demonstra uma falta de respeito com o passado, se acreditando a concepção final de tudo. Como nós achamos modernos, não acreditamos que nada que veio antes de nós é bom. Nunca nos percebemos decadentes, e isso é algo novo (no contexto do livro que é começo do século XX).
Capítulo 4 - O crescimento da vida
Devido ao avanço tecnológico trouxemos o longe para o perto, aumentamos o horizonte de nossas vidas. Isso é muito importante para nós, que temos uma vida com tempo limitado. Mundo é o repertório de nossas possibilidades. Por isso o mundo parece algo tão grande, pois não temos tempo para causar todas as possibilidades. Nosso tempo se vê como o melhor, na verdade, me parece que vivemos no "verdadeiro" tempo, como se tudo tivesse começado de fato agora. Porém, não sabemos onde queremos chegar, apesar de todas as possibilidades que o mundo abre para nós (teorizo se esse vácuo de poder tem algum efeito colateral, se os poderosos não usam essa informação para nos controlar). Nisso entram os progressistas que acreditam que o mundo seguirá uma reta tal qual sua imaginação concluiu, por coisas assim o mundo parece vazio de projetos (forças estatais e globalistas dominaram o espaço de contra-ataque por completo). E para completar, o homem-massa vive como um animal, apenas existindo no presente, acaba virando uma engrenagem na estratégia desses poderosos.
Capítulo 5 - Um dado estatístico
Viver é ter a necessidade de escolher. Para agir bem é necessário conhecer bem, por isso, conhecer esse homem-massa é necessário.
Capítulo 6 - Começa a dissecação do homem-massa
Começamos definindo o "senhorito satisfeito" que é um herdeiro de toda uma história, mas não lhe dá o devido valor, tudo lhe é permitido e nada o é obrigado.
Capítulo 7 - Vida Nobre e vida vulgar, ou esforço e inércia
A impressão tradicional dizia que viver é se sentir limitado, contar com o que nos limita, mas hoje o senhorito satisfeito aceita que viver é não ter limitações, abandonar-se a si mesmo, nada é perigoso e ninguém é superior a ninguém. Conforme o tempo passa, as pessoas se tornam incapazes de qualquer esforço que não envolva uma obrigação. Eventualmente essas pessoas podem até querer mudar, mas não irão conseguir, porque não conseguem ver nada ou ninguém que esteja a frente delas para poder seguir.
Capítulo 8 - Por que as massas intervêm em tudo, e por que só intervêm violentamente
De tanto o mundo se mostrar aberto a pessoas medíocres, a alma destes se fechou. Muitas pessoas podem não concordar com uma afirmação forte como essa, mas com certeza a esmagadora maioria das pessoas não parou nem 5 minutos durante toda a sua vida para pensar nesse tema tão presente a quem o escreveu. As pessoas têm um repertório dentro de si e acreditam que podem julgar toda a vida baseada nisso. O homem-massa se sente perfeito. O problema não é o vulgar querer seu espaço, mas sim impor a vulgaridade como direito.
Não há cultura com todo um aparato prévio, ou seja, com instituições, economia etc, se não houver essas coisas estamos na barbárie. Tudo isso define a civilização. Esses elementos sociais são necessários principalmente para viver com o diferente, porém, é exatamente isso que o homem-massa não quer. Ele quer o diferente longe. Percebemos isso claramente na política, com a demonização dos opositores.
Capítulo 9 - Primitivismo e técnica
O autor faz uma analógica da evolução da civilização e a roupa. Para o homem-massa a roupa de antigamente era inútil, para evoluir é necessário ficar pelado, sem inibições para então se conhecer. Este tipo de individuo usufrui de vários elementos da civilização, como automóveis, anestésico, mas em nenhum momento se preocupa com os princípios de qual eles nascem. Ele acredita que tudo isso exista por existir, é um selvagem, desconhece o caráter completamente artificial da civilização que torna possível seu conforto. Quanto mais ele faz uso do que a ciência e a civilização trás para ele, mas ele ignora as fontes dessa possibilidade (Apesar de existirem muitos inteligentinhos hoje em dia que vem a ciência como Deus e, pelo menos em suas redes sociais, a defende sem a entender com unhas e dentes).
Capítulo 10 - Primitivismo e História
O homem-massa surge justamente pela facilidade de existir, pois a medicina e o conforto aumentaram muito nos últimos anos. Porém, essa possibilidade fez surgir muitas pessoas que precisam ser regidas como gado. Por isso, doutrinas como o fascismo e o comunismo ganharam tanta força no começo do século XX, ambas contrárias ao liberalismo. Alguns tentam trazer o mundo para que ele era antes de algo ruim como o comunismo ocorrer, mas ser anti-algo é só um gasto de energia para trazer o mundo para as condições onde o "algo" volte a existir.
Capítulo 11 - A época dos "senhoritos satisfeitos"
Já foi citado acima a característica mimada desse tipo de pessoa, são aqueles em que a vida é simplesmente o que há de mais banal, como por exemplo dedicar-se a jogos e coisas do gênero. Quando a maioria das pessoas é esse tipo de gente, a situação começa a ficar perigosa para a sobrevivência.
Capítulo 12 - A barbárie do "especialismo"
A própria ciência como é hoje em dia torna o cientista um homem-massa, pois torna os cientistas cada vez mais especializados numa pequena área de sua disciplina. Ou seja, mesmo uma pessoa de nível mediano consegue ser um cientista, pois seu trabalho se tornou mais mecânico. É possível (e até recomendável pelos seus pares) ignorar completamente o resto e focar apenas no que deve estudar. Sendo assim, o cientista de hoje em dia é um sábio-ignorante, pois sabe muito da sua área, mas ignora completamente todo o resto, porém, é comum que este mesmo individuo discorra sobre as áreas que ignora com a mesma pompa e segurança como faz naquela área de estuda, ou seja, tem a mesma opinião dos ignorantes, porém de uma forma intelectualizada. É só notar por exemplo em eventos cataclísmicos como a pandemia, ou mesmo eleições, como esses intelectuais se comportam. Eles são o suprassumo do homem-massa.
Capítulo 13 - O maior perigo, o estado
O homem-massa se rebela contra si mesmo não aceitando o próprio destino. A massa, quando se rebela, o faz de uma maneira apenas, linchando. Esse poder da violência é o resumo do estado gigante atual. Curiosamente se crítica muito o período da monarquia, porém, devido ao fato dos monarcas não serem homens-massa eles não aumentaram o estado às custas da sociedade, pois tinha algum sentido de responsabilidade histórica. O homem-massa então acredita que o estado é ele, e que todo e qualquer problema de âmbito social deva ser resolvido pelo estado, esse é um dos maiores males que afetam a civilização: a estatização da vida. A sociedade então terminará servindo somente ao estado, e quando este já estiver cadavérico pois sua parasitagem não mais o sustenta, morrerá.
Segunda Parte - Quem manda no mundo?
Capítulo 14 - Quem manda no mundo?
Ninguém na história teve poder real sem ter antes a aprovação do público. Nesses dias pós-Primeira Guerra Mundial, dizia-se que a Europa estava perdendo o poder sobre o mundo, para onde se dirige então esse poder? Nisso, vários povos "nanicos" acabam cortando suas relações com a fonte do poder, ou seja, a Europa, e assim, tal qual crianças quando o professor sai da sala, começam a dar "cambalhotas" sem sentido.
Toda as coisas que fala a ciência são claras pois são logicas, diferente do mundo real, que é confuso e intricado (N.A.: tal qual o cristianismo e a Bíblia, e por isso estes descrevem a realidade). A vida é um caos onde o homem está perdido, ele tem medo de se deparar com esse caos, por isso inventa ideias para lhe colocar numa condição estável. Porém, aquele que aceita a natureza da vida, deixa de ficar perdido, começa a se encontrar, na realidade, a única forma de se encontrar é lidar com a própria confusão da vida. As únicas ideias que são verdadeiras são as ideias dos náufragos, aquelas que nós apoiamos quando tudo parece fora de ordem, somente assim podemos nos encontrar e encarar a realidade.
O estado, para o autor, é movimento, não é simplesmente um apanhado de tradições, língua ou mesmo consanguinidade. O estado de fato se forma quando se unem "tribos" diferentes, que num primeiro momento eram agressivas uma com as outras, e depois acabam se unindo por motivos de força maior.
Pode-se resumir o que foi visto até agora da seguinte forma: O mundo sobre de uma grave desmoralização, que se manifesta, entre outros sintomas, numa desaforada rebelião das massas, e tem sua origem na desmoralização da Europa. As causas desta última são muitas. Uma das principais, o deslocamento do poder que nosso continente exercia antes sobre o resto do mundo e sobre si mesmo. A Europa não tem certeza que manda, nem o resto do mundo, que é mandado. A soberania histórica está em dispersão. Um fato capital para essa realidade é a falta de peso nos atos. Só há verdade na existência quando sentimento seus atos como irrevogavelmente necessários, algo que falta aos políticos por exemplo. Para o autor, uma das únicas formas de mudar esse paradigma é se a Europa se unisse, pois, essa mecânica faria ela se esforçar por um objetivo e sair da inercia atual.
Capitulo 15 - Desemboca-se na verdadeira questão
As pessoas se declaram jovens porque estes têm mais direitos que obrigações, isso desemboca na falta de moralidade que vemos no homem-massa. Porém não é possível simplesmente se livrar da moral, o que as pessoas de fato se tornam é imoral.
Epílogo para ingleses
Ortega, um grande admirador dos ingleses cita que eles são o povo mais estranho que existe. Primeiro, começa a discorrer sobre seu pacifismo. É necessário entender que a guerra não é simplesmente um crime, mas sim uma forma de lidar com conflitos, ou seja, é uma instituição humana. Sendo assim, a paz não é simplesmente uma coisa que está aí para ser usufruída, deve ser construída e entendida, tal qual como a guerra, como um sistema de meios para relações humanas. Para que funcione a paz na Europa, deve ser entendido o caráter de sociedade que existe entre os países, não só entre as pessoas de um mesmo país.
Devido a tecnologia, os povos estão cada vez mais próximos, porém, essa proximidade sem moralidade acaba causando problemas, é diferente por exemplo dos chineses que ficavam 45 minutos se saudando ou os japoneses que, em vez de falar "eu" falam coisas como "a miséria que aqui se encontra". Se é tão complicado simplesmente entender a língua de um povo, imagina o país como um todo, por isso o comportamento de cientistas sabios-ignorantes que falam de outras áreas com a mesma segurança que falam da sua mas tendo o mesmo conhecimento de alguém leigo causam problemas nesse tipo de situação. Sendo assim, apenas os opostos sustentaram um ou outro para o futuro da Europa, ou seja, um totalitarismo em favor do liberalismo.
Apêndice - Dinâmica do Tempo
As vitrinas mandam
O dinheiro foi sempre uma grande força social, porém, no passado, mesmo pessoas que eram consideradas escorias, como judeus, podiam ter dinheiro. Porém, em nosso tempo o dinheiro goza de um poder social maior e isso se deve principalmente porque hoje temos mais coisas que o dinheiro pode comprar.
Juventude
As épocas mudam de gosto, existem épocas que preferem o masculino invés do feminino, ou vice-versa. Vivemos numa época que a juventude é o que importa. Em outras épocas era até feio se portar como jovem, hoje é moda e os velhos querem parecer cada vez mais com os jovens. Hoje hábitos, prazeres, costumes, modos estão cortadas na medida dos jovens. O autor acredita que isso se deve ao fato de que hoje se dá muito mais valor ao corpo do que ao espirito, e o corpo do jovem é superior ao do velho.
A juventude tem direito de sê-la, mas apenas como um estágio, ou seja, em caráter transitório, não dessa forma eterna, que denota uma rebeldia com a natureza e o resto da vida.
Masculino e feminino
O mesmo que se passa com o velho e o jovem citado anteriormente, se dá com o masculino e feminino. Na época do autor (começo do século XX) o que dominava era o comportamento masculino, tanto é que até as mulheres se masculizaram, fumando e usando roupas parecidas com as dos homens. Houve épocas em que foi diferente, como o século XII que foi um século bem feminino.
Desde a época grega nunca se estimou tanto a beleza masculino como agora. O autor cita que a admiração da mulher pela beleza masculino, em especial pela beleza atlética, nunca é espontânea, isso se dá devido aos homens terem essa admiração primeiro, ou seja, devido a predominância do ponto de vista masculino.
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