Tolos, Fraudes e Militantes - Roger Scruton - Resumo
Introdução
Esquerda é um termo definido devido aos bolcheviques ficarem ao lado esquerdo na visão do Rei em seu conselho, mas acabou criando uma incoerência, pois, os que vão contra as ideias de intelectuais dessa laia acabaram sendo chamados de direita, sendo que nesse espectro por vezes a ideias discordantes. O comunismo acabou destruindo alguns países, e devido a isso se esperou que houvesse alguns pedidos de desculpa por parte desses intelectuais, mas autores como Chomsky e Zinn acabaram dando uma sobrevida ao lutar contra os EUA e os Neoliberais. Agora investem na "libertação das vítimas", ou seja, liberar as mulheres da opressão dos homens, os transexuais da homofobia e por ai vai. Neste contexto, entra o conceito de justiça social, mas, na verdade, é apenas uma linha purificadora de uma ideologia cada vez mais próxima da morte. Temos em contraste o conservadorismo, onde a associação política deve ser vista do mesmo modo que uma amizade: não possui propósito dominante, mudando dia após dia, de acordo com a lógica imprevisível das conversas. Para que a aura de bondade por trás da esquerda saia que esse livro surgiu, afinal de contas isso é devido a transformação da linguagem, que foi o principal legado da esquerda. Essa novilíngua (1984, George Orwell)começou com proletariado e luta de classe, mas hoje está num contexto cultural de vítima social. Homens que foram carrascos em suas ideologias, na verdade não fizeram nada por si, afinal de contas comunismo é o fim do individuo, e sim os "ismos" agiram através dos homens. Sem dúvida a palavra mais atacada pela novilíngua foi capitalismo, que hoje é sinônimo de exploração do mais pobre pelo mais rico. Sempre que surge um problema escutamos coisas como "crise do capitalismo, "exploração" capitalista" etc. Ainda dentro dessa linguagem própria da esquerda, onde os conservadores e liberais da velha guarda falam de autoridade, governo e instituições, a esquerda vê poder e dominação. OU seja, remova a ideologia que a verdade será revelada, essa que é recheada de poder e esperança de depor o governo comunista. Por esse motivo os "pequenos pelotões" como igrejas, escolas, ONGs, times de futebol etc foram simplesmente massacrados em regimes comunistas. Assim, chegamos ao conceito de ressentimento, que para um socialista não é a reposta ao sucesso não merecido de outra pessoa mas uma postura existencial: a postura de alguém que foi traído pelo mundo. Sem negociação com as estruturas, apenas violência para a tomada do poder.
2 - Ressentimento na Grã-Bretanha: Hobsbawn e Thompson
Thompson era um intelectual que não se sentia confortável com a vida acadêmica. De tal forma que preferia falar com o proletariado. Hobsbawn, conhecido pela lealdade ao partido comunista Russo, mesmo em sua morte em 2012 o aprovava. A utopias comunistas seduzia os dois, reescrevia cada ato destrutivo como criação, se vingavam de um mundo que foram recusados como herdeiros. Hobsbawn levava muito a sério a teoria materialista da história de Marx foi uma resposta a Hegel, que via a evolução das sociedades humanas impulsionada pela consciência de seus membros, manifestada na moralidade, religião etc. O materialismo baseia-se na economia como motor de todas as ações da sociedade. "Não é “a consciência que determina a vida, mas a vida que determina a consciência” (A ideologia alemã)." Esta forma de ver o mundo pode levar a diversas situações. O comunismo, por exemplo, fechou as economias do leste europeu e as mesmas ficaram fracas. Porém, o Japão foi uma economia fechada no século XIX, mas, mesmo assim, cresceu. Ou seja, ver o que realmente molda uma sociedade e o que faz bem para ela, normalmente depende da ideologia do intelectual que a faz a pesquisa. Para esses intelectuais, como o Hobsbawn, quando tem capitalismo, tem exploração. Em sua época oficinas e bibliotecas floresceram, mas para ele era tudo fruto da exploração do trabalho. Então, chegamos ao conceito de "classe em si" e da "classe para si" de Marx. Essa distinção acontece porque para eles essas estruturas existiam muito antes de haver consciência das classes. Isso me leva a E. P. Thompson. Se Thompson permanece importante para nós atualmente, é porque estava agudamente consciente dos problemas apresentados pela teoria de classes marxista e pela maneira descuidada como “em si” e “para si” haviam sido confundidos. Para ele, é a classe para si que importa. Ele expressa um bom ceticismo nessa visão antropomórfica dos processos históricos, lembrando que existe um nós que molda a história, mas para os conservadores, esse "nós" não inclui as classes. Por mais que algumas dessas ideias sejam bem datadas elas ainda são seguidas. Somente em um lugar do mundo pensadores recentes da esquerda viram a operação e a reforma do direito como assunto-objeto principal da política: os Estados Unidos da América. Assim, mesmo que defendam um papel cada vez maior para o Estado na vida das pessoas comuns, os americanos de esquerda são descritos não como socialistas, mas como liberais, como se fosse liberdade, e não igualdade, o que prometem.
3 - Desdém nos Estados Unidos: Galbraith e Dworkin
Gabraith foi um grande expoente da New York Review of Books, uma revista de esquerda. Ele acreditava que a teoria econômica tradicional não era a certa. Nas economias modernas, segundo ele, a propriedade e o controle estão quase que inteiramente separados: aqueles que tomam as decisões em benefício de uma empresa são cada vez menos aqueles que gozam dos lucros e não precisam ser pessoalmente responsáveis pelas consequências do que fazem. Assim, no longo prazo, a economia “capitalista” será dominada por poderes com a tendência inerente de crescer e esvaziada da competição que os disciplinaria em nome do interesse público. Ele acreditava também que a ideologia comunista, diz ele, estigmatiza o desvio como “incorreto”, ao passo que nossa “sabedoria convencional” impõe a estabilidade. Este "desvio" soviético ter causado tantas mortes não entra na avaliação parcial deste autor. Dworkin não era, como Galbraith, um satirizador espirituoso. Ele não ria de seus oponentes conservadores reais ou imaginários, mas os banhava em um fluxo contínuo de desprezo. Valorizava a imagem de si mesmo como crítico prolífico e devastador de uma herança legal conservadora que não tinha argumentos intelectuais próprios. Ele é mais voltado ao lado judicial da coisa, buscando uma lei que seja mais natural do que as escritas em constituição. Isso acaba por criar monstros judiciais. Por exemplo, quando perguntado sobre a justiça das contas, ele diz que ninguém deve ser avaliado ela cor da pele, mas depois disso sua narrativa vaia para "a obrigação de dar vantagens a mulheres e negros em processos seletivos pois, historicamente, eles tiveram desvantagens, então somente assim conseguiram estar em pé de igualdade". Galbraith e Dworkin foram gênios em suas áreas de estudo, mas escarneceram sobre a capacidade das outras pessoas de entender o direito. Devido a seu egocentrismo, deixaram suas questões intelectuais exatamente no mesmo lugar onde as encontraram.
4 - Libertação na França: Sartre e Foucault
A grande influência francesa no começo do século XX foi Kojéve, palestrando sobre Hegel ele influencio muitas pessoas importantes. Para Hegel só nos tornamos plenamente conscientes de nós mesmos quando percebemos que a liberdade são um e o mesmo. O processo continua até que a escravidão dê espaço, por meio de sua própria dinâmica interna, à cidadania, à legalidade e ao acordo mútuo. Esse conceito de “eu” e Outro" instigou ideias bem ressentidas, como as de Simone de Beauvoir. Então, temos a ascensão de Sartre, filósofo até hoje aclamado pela esquerda, ao explicar sobre o conteúdo interno humano ele diz que a consciência é “intencional”: ela postula um objeto em que vê a si mesma, como em um espelho. Como na dialética de Hegel, objeto e sujeito surgem juntos, em fundamental antagonismo. Sartre expressa esse antagonismo em termos já emprestados de Hegel por Marx. O antagonismo no coração do ser é aquele entre o “em-si” e o “para-si” (en-soi e pour-soi). Ao se estabelecer em relação a um objeto fundamentalmente “outro”, o eu cria uma separação em seu mundo, um tipo de fenda. Eu mesmo ocupo essa fenda: é o reino do nada, le néant, que “jaz enrodilhado no coração do ser, como um verme”.
Na obra de Sartre, temos muito distinta a existência individual do grupo, para ele “o inferno são os outros” assim surge a questão: “Como devo preencher o vão que me separa do mundo?” A angústia que invade o eu em virtude dessa questão é a prova da liberdade. Não pode haver nada mais certo que minha liberdade, dado que nada existe para mim — nada é outro — até que a fratura esteja aberta, e minha liberdade, exposta. Na sua obra “A Náusea” ele usa o conceito de lodo, que é um derretimento dos objetos, um “úmido e feminino sugar”, algo que “vive obscuramente sob meus dedos” e que “percebo como tontura”. Um cético poderia responder argumentando que a autenticidade que Sartre valoriza tanto, assim como a liberdade que cria sua necessidade, é uma ilusão. Talvez não exista algo como a liberdade absoluta, nenhum ponto de partida incondicional para cada jornada individual na direção do comprometimento. Ou, se existe tal coisa, talvez devamos vê-la como Kant a viu: como fundação transcendental de uma moralidade objetiva que nos amarra uns aos outros em uma relação de respeito universal e nos força à submissão perante a lei moral. Mas Sartre, embora simpatizasse com a posição de Kant, via somente falta de autenticidade nesse último passo de submissão à lei que governa outros. Isso é apenas outra maneira pela qual o mundo envenena nossos esforços, compelindo-nos a nos identificarmos com algo que não nós mesmos.
Para o autor, parece que Santo Agostinho apresentou uma resposta melhor que a sugerida por Sartre para essa questão da repulsa associada ao lado. Para Santo Agostinho, é o sentimento do pecado original que causa nossa repulsa pelo mundo. Temos vergonha de nossa encarnação sempre que somos confrontados por ela e sentimos que nossa liberdade interior é “violada” por sua prisão carnal.
Em Sartre, o conceito de totalização é complexo e confuso, nas suas palavras:
“Mas, pela própria reciprocidade de coerções e autonomias, a lei termina escapando a todos e, nos agitados momentos de totalização, surge como Razão dialética, ou seja, externa a todos porque é interna a cada um, e como totalização em desenvolvimento, embora sem totalizador, de todas as totalizações totalizadas e de todas as totalidades destotalizadas.”
Ler Crítica da razão dialética é uma experiência sombria. Essa masmorra totalitária quase nunca é tocada pela luz do sol e os poucos bolsões de ar são onde o espírito de Sartre respira, dedicando-se livremente a exalações líricas, mas insubstanciais. A força do jargão consiste em desviar a atenção do leitor de tudo que é verdadeiramente questionável na visão marxista e criar um falso conflito em um mundo de sonhos. Em nenhum lugar as afirmações reais do marxismo são confrontadas. Em nenhum lugar a divisão da sociedade entre “proletariado” e “burguesia” é questionada, o mito da “luta de classes” examinado ou a teoria da “exploração” investigada. Mesmo a linguagem morta da economia marxista realiza seus deveres mistificadores sem ser atrapalhada pela observação crítica.
O autor conclui o capítulo falando sobre Foucault, que foi uma das pessoas mais influenciadas pela filosofia de Sartre. Como Sartre, Foucault fazia uma analise muito profunda dos porquês das ação das pessoas. O começo de sua obra tentava libertas as pessoas das amarradas da sociedade, nota-se que ele andava em linhas marxistas, mesmo se dizendo um critico do comunismo. Ele descrevia esse tipo de discurso no conceito de poder. Na sua analise sobre a medicina por exemplo, em História da loucura na idade clássica, ele mostrava a relação entre os loucos e os sãos como numa de pai e filho, onde o louco sofria pelo poder massacrante da razão. O autor critica esse ponto de vista, pois seguindo sua logica, nada que existe sempre existiu, é apenas fruto de uma ideia mais poderosa vigente, sendo assim, até mesmo o conceito de homem é algo moderno, até mesmo o conceito de dinossauro, por mais sem noção que isso posa parecer.
No fim de sua obra, Foucault sofria de aids, devido a sua pederasta vida. Comportamento que o levou a passar seus últimos dias em um hospital e a rever seus conceitos sobre o mesmo. Parou de achar que as relações humanas eram baseadas em poder, e percebeu que a verdadeira sexualidade está associada com o amor, e as construções familiares.
5 - Tédio na Alemanha: declínio até Habermas
Alguns filósofos como Heidegger, se aliaram ao nazismo devido a sua grande influência bélica. Todos esses sofreram grandes sanções dos pensadores da época, curiosamente os que apoiavam a esquerda socialista que assassinou mais que os nazistas nada sofreram.
Um desses importantes apoiadores do nazismo e socialismo foi Lukacs, filho de importantes burgueses austro-húngaros. ele acreditava no humanismo marxista. Na teoria da Marx, existia um valor intrínseco entre mercadorias, se o patrão cobra de um funcionário mais que esse valor intrínseco para a manufatura, então ele está sendo explorado, o trabalho é alienado, etc. Em cima dessa premissa ele criou várias ideias bem estranhas, até mesmo uma física marxista, que tentava mostrar por metafísica o que a burguesia escondia das leis da natureza.
A alienação em especial é um capitulo importante na trajetória de Lukacs, que dia que todo trabalho era alienado, da mesma forma que um marxismo hegeliano. Isso só não ocorreria quando este trabalho estava involucro de teorias criadas pelos próprios proletários. Curiosamente ele era um burgues.
Habermas então foi o ultimo nome importante da escola de Frankfurt. Sua filosofia era fraca e mal escrita. Seus capítulos e frases eram desconexos. Em trechos que podem ser resumidos com poucas frases ele avança suas ideias dicotômicas. Em um texto sobre contratos sociais, ele diz que as únicas ideias validas seriam as escolhidas pelas pessoas em escolhas ideais, e por isso as pessoas não são livres. Mas então, como definir essas circunstancias? Diferentemente do que um pensador socialista pode afirmar, isso só surge quando o individuo é livre para tomar suas próprias decisões em detrimentos das escolhas do estado. A única mensagem clara da sua filosofia é "vamos conversar" mas nesse bunker onde será decidido o futuro pós-moderno da humanidade não entrarão os conservadores, as pessoas "reais". Assim, conseguem tirar da conserva as questões reais.
6 - Nonsense em Paris: Althuser, Lancan e Deleuze
Ao analisar os pensadores que influenciaram a importante e esquerdista década de 60 na França, podemos começar com Althueser. Este oferece um modelo de uma nova e fortalecida linguagem na qual nenhuma pergunta pode ser feita e nenhuma resposta é oferecida, apenas em termos incompreensíveis.
Este autor dizia que o conhecimento verdadeiro surge no livro “O Capital” de Karl Marx, e que para entendê-lo verdadeiramente é necessário ter uma atitude religiosa, tratá-lo como escrituras sagradas, até mesmo olhá-lo de trás pra frente, buscando uma hora mística nesse livro economicamente refutado.
Em algumas passagens de relativa lucidez, Althusser revela que sua metateoria estabelece precisamente coisa nenhuma e, na verdade, é mais um amontoado de sortilégios que uma teoria. Se a “contradição principal” falha em causar a revolução, simplesmente tornando-a a “tarefa do dia”, então o que realmente acontece é resultado da decisão humana. A história pode assumir qualquer curso, dependendo dos objetivos, forças e métodos dos protagonistas. A “contradição principal” não é realmente uma contradição (pois, de outro modo, poderia causar o colapso antecipado): é meramente um problema com o qual as pessoas (tanto governantes quanto governadas) precisam lidar.
Althuser reescreve o materialismo histórico de Marx, mas essa versão nada mais é que a forma de uma teoria, e suas enfáticas conclusões são metadogmas, desprovidas de conteúdo específico, ou seja, só é possível entender a teoria e aplicá-la a luz dos próprios conhecimentos que essa teoria cria.
Lacan foi outro importante autor dessa época. Este era um psicólogo, e como todo psicologo de sucesso, ele foi famoso não por resolver o problema de seus clientes, mas por escrever ideias diferentes do que era dito na época. Ele tinha uma forma matemática de se fazer psicologia, com equações e resultados totalmente aleatórios que vinham a buscar uma implicação logica a suas ideias que não eram nada apriorísticas. Por exemplo, ele diz que o pênis erétil era tão potente quanto a raiz quadrada de menos um. Para completar temos Deleuze, uma versão mal escrita de Sartre, que usa elementos do pós-guerra para incitar o comunismo.
7 - Guerras culturais no mundo todo: a Nova Esquerda de Gramsci a Said
Sem duvida o filósofo mais influente para a esquerda acadêmica é Gramsci. Este guerrilheiro italiano que foi preso pelo regime fascista de Mussolini teve suas obras escritas no cárcere replicadas e aceitas por todos os acadêmicos no mundo a fora. Foi amplamente aceito pelos intelectuais de sua época e ainda hoje é referencia para os intelectuais acadêmicos da esquerda.
A teoria da hegemonia de Gramsci, diz que a ordem social pode sobreviver à crise, argumentou ele, por causa da natureza complexa da dominação de classe. A única forma de vencer isso é se o estado tomar conta e proibir todos os meios de intelectualidade fora do estado, como religião por exemplo, e controlar o que tem poder para isso, como a educação. A revolução, de acordo com Gramsci, não é uma força inelutável que nos leva de roldão, mas uma ação, realizada por indivíduos heroicos. Mais ainda, é uma ação que pode ser realizada sem sujar as mãos na fábrica. Você pode calmamente continuar em qualquer cargo confortável que lhe tenha sido oferecido e trabalhar pela derrota da hegemonia burguesa enquanto aproveita seus frutos. Tal filosofia é extremamente útil para o intelectual — cujas visões e paciência seriam severamente desafiadas fora da universidade — e é a filosofia natural da revolução estudantil. Acrescente a encantada dicotomia de comunismo versus fascismo — ilustrada pela própria vida heroica de
Gramsci — e a pintura está completa. Um inimigo é identificado, uma “luta” é definida e uma teoria é fornecida para mostrar que você pode lutar ao lado dos heróis simplesmente permanecendo sentado a sua mesa.
Fascismo é a tese central de Gramsci e também dos esquerdistas de hoje em dia. Por isso, a classificação do fascismo foi rebaixada e ele foi descrito como movimento da “baixa burguesia”. Escreve ele na sua obra “Cadernos do cárcere” que escreveu quando preso:
O que é o fascismo italiano? É a insurreição do estrato mais baixo da burguesia italiana, o estrato dos vagabundos, dos ignorantes, dos aventureiros a quem a guerra fornece a ilusão de serem bons para alguma coisa e contarem para algo, que foram conduzidos em frente pelo estado de decadência moral e política [...].
Em resumo, a teoria de Cadernos do cárcere é a verdadeira teoria do fascismo: do poder que se antecipou à ambição de Gramsci ao se tornar real em outras mãos. Quando, em um artigo inicial, ele descreveu o proletariado como formando uma unidade ideal, um fascio, antecipou em suas esperanças precisamente a forma de ordem social que, mais tarde, seria conseguida por seu rival.
Raymond Williams segue a mesma linha de pensamento de Gramsci, mas para ele o que estava em pauta era a cultura inglesa. Ele, diferente de Gramsci, queria criar uma nova cultura, demonizando a cultura clássica inglesa, onde todas as pessoas poderiam participar, não apenas os intelectuais.
Ele acreditava numa "verdadeira democracia" em que todos teriam os meios iguais para poder alcançar fins iguais, porém buscava isso de uma forma que não respeitaria a propriedade privada e as habilidades de quem conseguiu um pouco a mais que seus iguais. Ele não percebia que a única forma de obter o fim que buscava era com o verdadeiro capitalismo. Há uma “alternativa” na qual a “verdadeira democracia” irá coexistir com a “propriedade social”, a ausência de mercado e a produção para uso e não para troca. Mas como isso será feito? Como isso será feito, dado que conhecemos nossas limitadas simpatias, nossas finitas expectativas, nossos competitivos motivos e nossos medos mortais? Jamais nos disseram.
O apelo de Williams é, na verdade, muito mais sentimental que intelectual. Ele é capturado na referência às “amáveis relações entre homens atualmente trabalhando e produzindo o que é por fim [...] distribuído”. Eis aqui os trabalhadores sofridos e de bom coração de E. P. Thompson, que precisam apenas da abolição do capitalismo para viverem juntos em espontânea fraternidade, partilhando os frutos de seu trabalho. Mas, embora realmente exista camaradagem e solidariedade entre os oprimidos, elas são produto de sua opressão.
Perry Anderson foi um intelectual, que como seus dois antecessores aqui citados, acreditava que a cultura ocidental era marginal e opressora. Anderson reconheceu que a esquerda estará preparada para argumentar seriamente somente com aqueles que são naturalmente descritos como parte dela. A charlatanice e a irracionalidade são pequenos defeitos para a esquerda: o que importa é a suprema lealdade ao “bloco histórico” de Gramsci, que une intelectual e proletário na oposição às “coisas estabelecidas pela lei”. Para ele Graças à ausência de uma teoria marxista, “uma emigração branca rolou pela plana extensão da vida intelectual inglesa, capturando setor após setor, até que essa cultura tradicionalmente insular foi dominada por expatriados de calibre heterogêneo”. Assim, ele rejeitava toda a teoria “branca” que surgiu na Inglaterra. Essa rejeição é significativa. Pois uma das forças da cultura britânica é ter produzido não teorias sociológicas de si mesma, mas crítica social e cultural. Rejeitar Leavis é rejeitar Burke, Coleridge, Arnold, Hazlitt, Ruskin e Eliot, todos iluminadoras presenças críticas na cultura nacional. Mas indicar isso não serve ao propósito de Anderson. Tais fatos contêm sementes demais de hesitação e escrúpulos para serem usados para seu polêmico objetivo.
Pensadores como Anderson permitiram que Edward Said surgi-se. Este acusou os orientalistas de terem uma atitude denegritória e paternalista em relação às civilizações orientais. Seus alvos não eram meramente acadêmicos vivos como Bernard Lewis, que conheceu o mundo muçulmano e sua cultura muito melhor que ele. Ele estava atacando uma tradição acadêmica que pode reivindicar justamente ser uma das reais conquistas morais da civilização ocidental.
Encorajados por Said, os estudantes primeiro aprendem a desprezar, e finalmente a esquecer, a perspectiva que levou aqueles nobres orientalistas a assumirem a tarefa com a qual somente alguém impregnado de cultura ocidental poderia sonhar — a de resgatar uma cultura que não a própria.
A conclusão final das guerras culturais foi a de que a antiga cultura nada significa, mas apenas porque não há nada para significar.
8 - O Kraken acorda: Badiou e Žižek
Badiou foi um pensador que surgiu na França no fim da década de 60, quando esta passava pela incoerência dos eventos de maio de 68. Para este autor, nada era realmente real. É claro, o que chegava mais perto da realidade eram situações que ocorriam em regimes comunistas. Nas próprias palavras dele, o único filósofo que Badiou respeitava era Mao Tsé-tung.
Ele baseava sua filosofia, assim como Lacan, em matemas. Ele nos diz que uma miríade genérica é inominável e que essa produção de um grupo inominável, da liberada miríade que não pode ser confinada em nenhuma categoria, é o objetivo final de toda atividade orientada para a verdade. Ademais, o Evento revolucionário se realiza pela “forçação”: uma situação se torna revolucionária quando novas coisas são “forçadas” nela, coisas que não são nomináveis na linguagem da situação.
As palavras de Badiou que ilustram os matemas deixam claro que sua filosofia não quer dizer absolutamente nada: Mas serão eles [o verdadeiro e o falso] realmente dois? Devemos ser cautelosos: no universo categorial, a diferença é maliciosa, e a identidade, evasiva. O verdadeiro e o falso, afinal, são duas flechas, dois monomorfismos. Além disso, esses monomorfismos elementares têm a mesma fonte (I) e o mesmo alvo (C). Não podem ser, “essas” flechas, dois nomes para o mesmo ato? Devemos então manter aquele tipo de ceticismo racional no qual os valores de verdade sobrepõem (como no pensamento de Nietzsche) sua dualidade nominal sobre um princípio idêntico de poder.
Seus argumentos envolvem afastar-se totalmente da lógica, já não usar “verdade” como valor semântico de uma fórmula verdadeira, esquecer a ontologia e usar o jargão de “forçação”, “construção” e “conjuntos genéricos” puramente como metáforas. O propósito é defender um salto de fé religioso — um salto para o desconhecido ou “inominável”. E o objetivo é o velho sonho comunista de absoluta e não mediada (“genérica”) igualdade.
Quando se trata de definir o mal, ele segue o caminho do Sartre tardio. O mal é a província do falso intelectual, aquele que não é leal ao verdadeiro procedimento, seja porque o trai, é iludido por um simulacro ou tenta impô-lo sem as qualificações que contém. Expor o mal dessa maneira abstrata permite que Badiou mantenha seus heróis — Saint-Just, Lenin, Mao — enquanto rejeita outros, como Hitler, que de tantos modos se parecem com eles, mas não estão (ou, ao menos, não da maneira padrão) incluídos na esquerda. Se a teoria do “Evento” e da lealdade dos intelectuais a ele justifica Lenin e Mao, também deveria justificar Hitler.
O discípulo mais influente de Badiou, Slavoj Žižek, que cresceu no relativamente ameno regime da Iugoslávia comunista, sente a mesma necessidade de desconsiderar o que lhe é informado por seus sentidos e basear sua intrépida confiança na revolução em princípios tão abstratos e enigmáticos que nenhuma prova empírica contrária seria capaz de desalojá-los.
Como indicação de seu estilo, eis aqui alguns tópicos abordados em três páginas consecutivas, escolhidas de modo mais ou menos aleatório em seu cativante livro Em defesa das causas perdidas: o sudário de Turim, o Corão e a visão de mundo científica, o Tao da física, o humanismo secular, a teoria do patriarcado de Lacan, a verdade na política, capitalismo e ciência, Hegel sobre arte e religião, pósmodernidade e o fim das grandes narrativas, o conceito lacaniano de Real, psicanálise e modernidade, modernização e cultura, o superego e sua relação com o fundamentalismo, solipsismo e ciberespaço, masturbação, Hegel e o espírito objetivo, o pragmatismo de Rorty e se há ou não um grande Outro.
Tendo levado a máquina de nonsense tão longe, a ponto de identificar Kant e Sade e, desse modo, rejeitar como uma espécie de obscenidade a moralidade iluminista à qual a sociedade ocidental tentou, durante dois séculos, se ancorar, Žižek é capaz de oferecer uma nova teoria da ideologia, e uma que renova a crítica marxista do capitalismo. A ideologia, na análise marxista clássica, deve ser entendida em termos funcionais. É o sistema de ilusões por meio do qual o poder adquire legitimidade. O marxismo oferece um diagnóstico científico da ideologia, reduzindo-a a um sintoma e demonstrando como as coisas realmente são por trás dos fetiches. Ao fazê-lo, “abre nossos olhos” para a verdade: vemos a exploração e a injustiça onde previamente víamos o contrato e a livre troca. A tela ilusória das mercadorias, na qual as relações entre as pessoas surgem como movimento legal das coisas, se desfaz diante de nós e revela a realidade humana, cruel, sem adornos e mutável. Em resumo, ao rasgar o véu da ideologia, preparamos o caminho para a revolução. Para Zizek, a revolução não chega, mesmo que todos saibam as verdades que o marxismo nos trouxe, porque as pessoas preferem se apegar a fantasias.
Nas palavras do autor, podemos resumir a obra de Badiou e Zizek: O saco de vento de Žižek e os nonsemas de Badiou servem ao propósito de desviar a atenção do mundo real, das pessoas reais, da moral ordinária e do raciocínio político. Existem para promover uma única e absoluta causa, a causa que não admite crítica nem compromisso e oferece redenção a todos que a esposarem. E que causa é essa? A resposta está em cada página de seus fátuos textos: o Nada.
9 - O que é a direita?
Os pensadores de esquerda frequentemente começam sua crítica de nossos sistemas sociais e políticos com um ataque à linguagem, como parte de uma estratégia mais ampla de colocar o poder e a dominação no topo da agenda política enquanto ridicularizam as maneiras pelas quais as relações humanas são mediadas pela busca por acordo. A novilíngua esquerdista é uma ferramenta poderosa, não apenas porque apaga a face de nosso mundo social, mas também porque descreve uma suposta realidade subjacente à aparência e sempre explica essa aparência como ilusão. As “forças materiais”, as “relações antagônicas de produção” e a “superestrutura ideológica” de Marx; a “episteme” governante e as “estruturas de dominação” de Foucault; a
“forçação”, os “conjuntos genéricos” e os “procedimentos verdadeiros” de Badiou; o grande Outro de Lacan e Žižek; a “reificação” e o “fetichismo da mercadoria” de Lukács — todas essas mistificantes tecnicalidades têm o objetivo de confiscar a realidade de nosso entendimento humano ordinário. O efeito é colocar o mundo social para além do alcance da política. Estamos sendo convidados a acreditar que não pode haver resolução de nossos conflitos sem uma transformação total, revolução total ou, como o professor Joseph Conrad a expressou em O agente secreto, “a destruição de tudo que é”. A maior tarefa da direita, portanto, é resgatar a linguagem da política: recolocar em nosso poder o que foi forçosamente removido pelo jargão. É somente quando reencontramos a linguagem que nos é natural que podemos responder às grandes acusações constantemente feitas a nosso mundo pela esquerda. E é somente ao encontrar essa linguagem que podemos nos mover de dicotomias unidimensionais de esquerda/direita, conosco/contra nós, progressivo/reacionário que tão frequentemente tornam impossível a discussão racional.
Duas queixas podem ser feitas pelos esquerdistas, mas nenhuma delas foram dadas respostas satisfatórias pelos mesmos. A primeira é a questão de justiça, onde eles confundem o que é igualdade como um meio, a colocando como um fim. Assim, sobra para os pensadores da esquerda acreditar que a única forma de sofrer o "controle pelo poder" foucaultiano é tirar qualquer meio de justiça que vá contra os ideais da revolução.
Enquanto a outra, que envolve o consumismo, reificação, instrumentalização, e tudo que os pensadores da esquerda argumentam que é uma consequência de uma sociedade de mercado? O problema aqui ocorre porque essa novilíngua esquerdista encobre a realidade. Respeitar a humanidade é colocar o sujeito humano acima do mundo dos objetos, em um reino de escolha responsável. E desse reino, como aprendemos no mito fundador de nossa cultura, uma pessoa pode “cair” no mundo das meras coisas e se tornar ela mesma uma coisa. Esse respeito só é possível ao perceber que as soluções não vem da politica. E sim do respeito a instituições interpessoais, e também ao controlar os desejos. Tratar as pessoas como meios e não fins é mais um vício do que um projeto politico, não se dobrar a essa atitude deve vir de cada um, com a ajuda de estruturas que os governos autoritários de esquerda tentem a ir contra: igreja, cultura, subsidiariedade, etc.
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